Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa
Contos de fadas para pensar sobre o papel da mulher
Este livro possui 8 contos e acredito que as autoras produziram a obra literária com a intenção de provocar uma reflexão crítica sobre as diversas situações em que as mulheres podem se encontrar dentro da sociedade. Na apresentação, elas citam alguns dos livros pelos quais se basearam para a produção de seus recontos, usaram diferentes livros antigos e alguns mais recentes.
É interessante pensarmos nessa linha do tempo (antigo e recente) em que a questão social prevalece, pois nos faz enxergar que as mulheres foram e ainda são repreendidas pela sociedade. Ainda há vestígios de ideias preconcebidas sobre a identidade e o lugar das mulheres.
Bem! Não gosto de falar sobre tudo de um livro até mesmo para não reduzi-lo a minha visão, um livro é muito mais que aquilo que posso enxergar — traz o olhar de cada pessoa que o lê. Portanto, não colocarei minhas palavras sobre todos os contos e reforço que elas representam apenas uma parte das minhas reflexões.
Para este post escolhi falar sobre "A irmã do conde", "A esposa do corvo", "O castelo do grifo" e "A criança perdida".
A irmã do conde coloca em pauta o quanto a vida das mulheres eram/são controladas pelos homens. O próprio irmão aprisiona a irmã para tomar conta de toda herança e, nesse contexto, percebemos a situação da mulher como um ser frágil, sem autonomia e em uma posição social de ignorância — sem direito ao conhecimento e à oportunidade de escolha para sua própria vida.
O final é bem empolgante, mesmo com a presença de um herói que se torna o marido dela e de sua nova posição de submissão como esposa. O relacionamento dos dois foi construído por meio da troca de ideias e ensinamentos, por isso o marido parece lhe dar mais oportunidade para viver sua própria vida.
Ainda sobre essa posição, reforçamos que ainda há repreensão da mulher como esposa dentro da sociedade — os papeis que ela precisa assumir e os traços de sua personalidade que precisa esconder para ser uma "esposa digna".
A esposa do corvo tem a mesma pegada do conto anterior, mas também coloca em foco a agressividade como parâmetro para a masculinidade. Uma bruxa amaldiçoa um jovem perverso e agressivo, o transformando em corvo com a intenção de pará-lo. Mas não foi bem o que aconteceu, mesmo como corvo ele tentou forçar mulheres a se casarem com ele e as que não aceitaram, sofreram agressões. Aqui percebemos a posição da mulher como um ser indefeso, controlado e altamente submisso, com a obrigação de fazer o que o homem deseja.
Nesse conto, as mulheres são encurraladas e a última acaba aceitando se casar por medo. Ao chegarmos na parte da vida do casal, conseguimos refletir sobre a ideia de amor que foi construída a partir da imposição de punição para o alcance de perdão e felicidade. Mais uma vez, a mulher é o alvo da punição e isso reflete nos dias atuais — mulheres que sofrem violências físicas e/ou psicológicas nas mãos de seus companheiros.
Também podemos refletir sobre a identidade das mulheres, que nessas situações se perde e faz com que elas acreditem fielmente que são culpadas pelas suas atitudes. A manipulação de seus sentimentos é tão forte que a mulher não consegue se reconhecer como um ser independente.
O castelo do grifo foi bem chocante e não trouxe a mulher como a submissa e dependente de um homem. Pelo contrário, o filho é submisso a ela e, para o meu desgosto, ela possui atitudes destrutivas em relação ao filho. Mesmo que ela esteja em um papel desfavorecido de mulher abandonada e mãe solteira, não justifica suas atitudes.
Esse foi um conto que não me agradou muito, por trazê-la como detentora do poder sobre a vida do filho. É possível que exista mulheres nesse papel em nossa sociedade, mas fiquei me perguntando: "Que mãe faz isso com um filho? Que monstro é esse que escolhe a morte do próprio filho?". Não consegui ter uma reflexão mais abrangente, pois fiquei presa nessa questão. E, obviamente, a minha resistência tem influência ética e moral.
Adendo: alguns podem me julgar, pensando que se fosse o contrário eu aceitaria o conto e não questionaria o poder do homem sobre a mulher, mas se enganam. Pois estou aqui discutindo humanidade, independente de sexo. Como podem perceber em minhas reflexões anteriores, eu trago essas discussões sobre a falta de espaço para mulher e acho-as fundamentais para a construção de seres humanos mais humanos.
Por outro lado, o conto também nos permite refletir sobre o amor próprio. O rapaz não reconhece o seu próprio valor e deixa a opinião dos outros o atingir. Isso nos alerta para nos colocarmos em primeiro lugar e questionar o outro, mesmo que seja aquele que mais deveria nos amar. É importante olhar para si mesmo, ser sincero em seus próprios julgamentos, se reconhecer e não permitir a manipulação.
A criança perdida assim como o conto anterior, não coloca em foco a reflexão sobre a situação da mulher na sociedade. Aqui a consideração é feita a cerca da desigualdade social e é apresentada a indiferença do Rei e dos demais ricos com relação às condições de vida da maioria da população.
Diante dessa situação, o Rei e a Rainha são amaldiçoados, o filho fica preso em um quarto escuro e com detalhes sinistros. Uma criança poderá salvá-lo, mas ela precisa estar inserida nessa condição de vida precária e, além disso, precisará demonstrar que valoriza a socialização e generosidade. Isso porque a intenção é mostrar a necessidade das relações entre as pessoas e, por isso, não há espaço para a indiferença social que distancia ricos e pobres. A finalidade da maldição é propiciar a diminuição das diferenças.
O livro é uma ótima opção para ser trabalhado em sala de aula com alunos do ensino fundamental II e até mesmo do ensino médio. Caso não tenha condições de trabalhar com o livro inteiro, poderá escolher um ou mais contos para proporcionar essas importantes considerações sobre diversas questões sociais.
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